terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Eu vi

No mundo em que vivo também os mortos não falam
pois até os vivos as vezes se calam.
Mas se falar pode ser crime,
preciso escrever, e escrever poemas.
Tentei, juro que tentei,
mas não pude viajar na fantasia.
Pensei escrever a beleza das praças,
mas os casais de namorados não estavam mais lá.
Tentei escrever em homenagem à catedral,
mas as crianças assassinadas só conheciam os caminhos da fome,
não conheciam os caminhos do céu.
E suas calçadas, manchadas de sangue,
esperam em vão que os matadores venham confessar seu crime cruel.
Corri contra o vento pra chegar a tempo de ver o luar,
mas os verdes campos que tanto sonhei
o fogo já tinha lambido da terra.
E as mãos calejadas que neles plantavam
a bala matou, a bala expulsou.
A concentração criou migração em grandes escalas.
E não mais arroz, e nem feijão,
pois naquele chão o boi virou rei.
E lá na cidade, de braços abertos,
a ilusão urbana, a fome esperava.
Pois no olhar da ganância nunca se viu lágrimas
por outra família sem riso e sem nada.
A chuva varando barracos sem teto
saindo em Brasília um novo decreto
sem nada de novo, sem nada de povo,
sei lá...
Nas margens da vida me pus a pensar:
são tantos humanos pra tão pouco lixo
e pra poucos cachorros, tanto caviar...
Mas não foi magia, nem ilusão,
Talvez seja a força dessa negação:
mas vi cantadores fazer cantoria,
o dia não tinha mais medo da noite.
Eu vi namorados voltando às praças,
e vi poesia brotar como flores,
eu vi assassinos pagar por seus crimes,
e vi meu Brasil numa pátria sem dores.
Eu vi operários voltando às fábricas
e vi lavradores voltando pra terra,
sem cercas, sem fogo, plantando outras eras...
E o lobo Yank gritou de repente:
- O que aconteceu???
E uma criança, quase adolescente, foi quem respondeu:
- Foi o nosso sonho que virou semente,
e brotou mais gente, e brotou mais gente,
e brotou mais gente....
Zé Pinto

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