No mundo em que vivo também os mortos não falam
pois até os vivos as vezes se calam.
Mas se falar pode ser crime,
preciso escrever, e escrever poemas.
Tentei, juro que tentei,
mas não pude viajar na fantasia.
Pensei escrever a beleza das praças,
mas os casais de namorados não estavam mais lá.
Tentei escrever em homenagem à catedral,
mas as crianças assassinadas só conheciam os caminhos da fome,
não conheciam os caminhos do céu.
E suas calçadas, manchadas de sangue,
esperam em vão que os matadores venham confessar seu crime cruel.
Corri contra o vento pra chegar a tempo de ver o luar,
mas os verdes campos que tanto sonhei
o fogo já tinha lambido da terra.
E as mãos calejadas que neles plantavam
a bala matou, a bala expulsou.
A concentração criou migração em grandes escalas.
E não mais arroz, e nem feijão,
pois naquele chão o boi virou rei.
E lá na cidade, de braços abertos,
a ilusão urbana, a fome esperava.
Pois no olhar da ganância nunca se viu lágrimas
por outra família sem riso e sem nada.
A chuva varando barracos sem teto
saindo em Brasília um novo decreto
sem nada de novo, sem nada de povo,
sei lá...
Nas margens da vida me pus a pensar:
são tantos humanos pra tão pouco lixo
e pra poucos cachorros, tanto caviar...
Mas não foi magia, nem ilusão,
Talvez seja a força dessa negação:
mas vi cantadores fazer cantoria,
o dia não tinha mais medo da noite.
Eu vi namorados voltando às praças,
e vi poesia brotar como flores,
eu vi assassinos pagar por seus crimes,
e vi meu Brasil numa pátria sem dores.
Eu vi operários voltando às fábricas
e vi lavradores voltando pra terra,
sem cercas, sem fogo, plantando outras eras...
E o lobo Yank gritou de repente:
- O que aconteceu???
E uma criança, quase adolescente, foi quem respondeu:
- Foi o nosso sonho que virou semente,
e brotou mais gente, e brotou mais gente,
e brotou mais gente....
Zé Pinto